Grupo Dançando na Vila: iniciativa educacional de sucesso na conquista da autonomia de crianças e adolescentes
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Quando a escola veio a desenvolver-se no mundo, o tema educação já era, há muito tempo, motivo de reflexão atenta dos pensadores e de pessoas outras, ligadas ou não a processos formativos.
A “paideia grega“, conforme Jaeger (2001), constitui-se fundamentalmente na formação do ser humano em suas diversas dimensões.
Já a “paideia moderna“, de acordo com Rousseau ([1762] 2017), prepara os cidadãos para se perceberem mutuamente, julgar e agir com autonomia.
Em nosso tempo, Freire (1996) vai dizer que o ato de educar passa pelo respeito à autonomia do ser do educando.
Várias são as possibilidades educativas favoráveis ao desenvolvimento das pessoas, sendo, uma delas, a educação não formal. Esta, há cerca de cinquenta anos, foi definida como atividade extrassistema (COOMBS, 1986). Atividades não-escolares são explicitadas, no Brasil, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (BRASIL, 2006).
A educação não formal contribui para fazer emergir potencialidades humanas. Ajuda na construção da autonomia de educandos e educadores e, assim, promove a transformação de realidades. Pode ser executada complementarmente à educação formal, sendo, tanto uma como a outra, abrangidas pela educação informal, esta que aprendemos espontaneamente desde cedo e ao longo de toda a vida (GOHN; 2010; TRILLA; GHANEM, 2008).
Educação dialógica no Grupo Dançando na Vila
Existem inúmeros exemplos de iniciativas no âmbito da educação não formal. É o caso do trabalho desenvolvido no Grupo Dançando na Vila, fundado em 2007 por iniciativa voluntária de uma professora e coreógrafa que mora em Brasília. O trabalho se desenvolve em área de alto risco de deslizamentos, a Vila Rabelo II, situada na periferia de Sobradinho II, região administrativa distante 25 km da capital brasileira.
A inovação educativa conta com a atuação de voluntários, pessoas dedicadas a promover transformações na vida de crianças e adolescentes, bem como de suas famílias.
O alto nível de vulnerabilidade socioeconômica das pessoas da comunidade se caracteriza pelo convívio delas com o uso de drogas, a gravidez precoce, o pouquíssimo saneamento básico e apenas algumas ruas asfaltadas. Apesar dessas dificuldades, as aulas de ballet para 70 crianças e adolescentes ocorrem num local onde há uma estrutura adequada à educação como um todo, podendo melhorar. As atividades ocorrem num centro comunitário razoavelmente equipado.

Há na localidade uma proliferação de estímulos e informações negativas, emitidas por bares e suas músicas em alto volume, e pessoas alcoolizadas.
Lá no Grupo, algumas famílias encontram refúgio para as filhas, sendo a dança uma oportunidade de promover o diálogo entre pais, filhos e demais moradores.

De acordo com a diretora do Grupo:
“apesar do acúmulo de informações, no mundo louco em que vivemos, noto que há famílias que conseguem dialogar. Colocando as crianças no ballet, os pais mostram que pretendem manter suas filhas exercendo alguma atividade”.
Conta ainda que
“os pais relatam mudanças, com filhas que passaram a respeitar os irmãos e a ajudar nos afazeres de casa. Eles acompanham suas filhas em todo o processo de educação, seja nas aulas ou nas apresentações de encerramento do período letivo em teatros”
Nessas apresentações, as alunas têm a oportunidade de mostrar o aprendizado ocorrido durante o ano.

Desse modo, a educação não formal desenvolvida na localidade se pauta na intencionalidade de construir autonomia e cidadania. As professoras sabem disso, e sabem que essa intencionalidade converte informações em algo de bom que vai se fortalecendo ao longo do tempo, com experiências que geram uma cultura em que os indivíduos se percebem protagonistas de sua própria história.
Obviamente, exige-se destas educadoras a capacidade de articular informação (ballet) e formação (cidadania, solidariedade, autonomia e assim por diante), o que, por sua vez, exige-se saber e praticar a arte do diálogo, colocando-o na base de sua atuação didático-pedagógica.
Enfim, com o trabalho desenvolvido no Grupo Dançando na Vila, concretiza-se a proposta freireana da pedagogia dialógica (FREIRE, 2011), pois a educação não formal praticada lá se constitui favorável à superação da contradição opressor-oprimido. Alcança-se, conforme Freire (2011, 2015), o “inédito-viável”, situado mais além das situações-limite. É, de fato, a realização de uma efetiva inclusão educacional (VASCONCELOS, 2020).
Referências:
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Brasília: MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 8 out. 2020.
COOMBS, P. H. A crise mundial da educação. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1986.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
GOHN, M. G. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010.
GRUPO DANÇANDO NA VILA. Página disponível em: <https://dancandonavila.wordpress.com/>. Acesso em: 7 out. 2020.
JAEGER, W. W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ROUSSEAU, J.-J. Emílio ou da educação. São Paulo: Edipro, [1762], 2017.
TRILLA, J.; GHANEM, E. (Orgs.). Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008.
VASCONCELOS, I. C. O.; LOURENÇO, L. C.; MENEZ, I. C. S. B. A dominação de grupos vulneráveis no mundo das informações: quatro casos de emancipação. In:
VALENZUELA, A. P.; QUEZADA, M. T. P. (Coords.). Si quieres la paz, narrra la violência. Zapopan, México: Universidad de Guadalajara. p. 7-33. Disponível em:<https://st3.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/955853489?profile=original>. Acesso em: 7 out. 2020.
VASCONCELOS, I. C. O. Democracia, educação e escola: pela inclusão educacional. Educação, Santa Maria, v. 45, p. 1-22, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/1984644435464.